A flor e o Jardineiro

 




CENA ÚNICA – A ESTUFA

Luzes baixas. No palco, uma grande estufa de vidro rachado. Ao centro, uma FLOR humana, vestida com pétalas desgastadas em tons de rosa e azul. À margem, o JARDINEIRO, com roupas simples, segura um regador vazio. Há vento, e o som de batidas de coração ecoa ao fundo.


FLOR (com voz frágil, olhando o chão)
Eu ouvi cada batida... se ainda houvesse borboletas em mim, eu teria ficado.
Mas tudo se empilhou como um castelo de cartas.
E desmoronou...

JARDINEIRO (aproxima-se, em súplica)
Mas as coisas boas me fizeram viver...
Você foi a luz que atravessou meu inverno.

FLOR (olhando para ele, com um sorriso triste)
Eu dizia que você era meu raio de sol...
Mas agora é inverno. O sol não chega mais até aqui.

JARDINEIRO (ajoelhando-se, tocando a terra)
E o poema que você me escreveu?
O papel o guardou...
Ainda carrego sua alma nele.

FLOR (um sopro de voz)
Não precisa ser príncipe...
Bastava ser jardineiro.
Mas chegou tarde.
O frio congelou minhas raízes.

JARDINEIRO (ergue-se, desesperado)
Eu dei água, dei sol!
Mas nunca seria o oceano que você queria.
Mesmo assim, lutei... quantas vezes fossem precisas.

FLOR (um fio de lágrimas)
A rachadura você sabe qual é.
A depressão...
O azul que te escondi.

JARDINEIRO (com dor)
Se ao menos tivesse mostrado o azul...
Eu teria cuidado dele.
Mas você brilhava rosa para não me desesperar.

FLOR (grita, quebrando o silêncio)
Porque eu tive medo!
Medo de ser cortada...
De ser arrancada como antes!

Pausa. O jardineiro estende as mãos, mas não toca.

JARDINEIRO (quase em sussurro)
Mas eu era um em um milhão.
Nunca quis outra flor.
Meu jardim só precisava de você.

FLOR (fraquejando, como se murchasse)
E mesmo assim... eu morri.
Fui ceifada pelo inverno.
Agora sou só memória.
Um perfume que não volta.

JARDINEIRO (olhos marejados)
E eu... perdi a flor da minha vida.
Ainda a vejo rosa, mesmo que já não seja.

FLOR (cai ao chão, última confissão)
Nenhum amor morre por completo...
Só muda de forma.
Obrigada...
Por me amar naquele verão.

Silêncio. O jardineiro se ajoelha diante da flor caída. Ele toca o chão, tenta replantar algo invisível, mas suas mãos se fecham no vazio. A luz azul toma todo o palco. Ouve-se o som de vento gelado. O coração que batia ao fundo desacelera... até parar.


ESCURIDÃO.

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